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Rock na política ou política no rock?

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Sou uma criança dos anos 1980 e a primeira música que decorei na minha vida foi “Cowboy fora da lei” do eterno Raul Seixas. Isso deixa muita coisa de minha vida em evidência, afinal, não venho de uma família rockeira e, se Rita Lee se dizia ovelha negra, bem, eu sempre estive mais para lobo mau. Um sorriso sarcástico sibila de leve pelos lábios… Na adolescência dos anos 1990 o rock só se fortaleceu dentro mim e então comecei a conhecer melhor esse mundo.

A adolescência é um período fundamental na vida de qualquer pessoa. Costumo brincar que ser adolescente e fazer “burradas” é um sinônimo. Da mesma forma que ser criança é gravar cicatrizes no corpo. Pelo menos nós, crianças simples de cidades minúsculas nos criamos assim, rasgando nossos joelhos e arrancando nossas unhas, correndo na chuva e pulando valos de esgoto. Obviamente também praticávamos agressões verbais uns aos outros, aquilo que chamamos de bullyng hoje era o nosso linguajar e nossos relacionamentos. Ainda bem que tínhamos pelo menos a escola para moldar um pouco mais nosso caráter. E uns chinelos e varinhas de nossas mães. Como crianças pobres de vila de cidade pequena, aprendemos a conviver uns com os outros, negros, brancos, gordos e magros. Posso dizer que nos preparamos bem pra adolescência.

Como adolescentes da década de 1990, íamos à igreja e depois deixamos de ir. Fomos à muitas festas juninas e bailes. Tivemos nosso primeiro emprego, o que foi bom, pois deixamos de apenas comprar nossas fitas K7 para investir nos CD’s. Eu particularmente comprava um por mês, quando podia, juntamente com uma revista de rock. Era mais um molde para o caráter e a personalidade. Deixar o cabelo crescer era simplesmente uma afronta à toda a sociedade e esse ponto merece destaque.

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Ter cabelo comprido numa vila de cidade pequena só podia significar uma coisa: maconheiro, palavra utilizada para designar qualquer pessoa ruim. Se tivesse tatuagem ou brincos, tanto pior. Eu não preenchi esse quesito até hoje, mas mantive-me honesto com meu cabelo. No entanto, usar uma camiseta preta de banda de Heavy Metal era algo pior, afinal você não liga a rádio e ouve as músicas que gosta porque o estilo é considerado agressivo pela maioria. Sensibilidade é sempre algo muito íntimo.

No meio disso tudo eu ampliava minha leitura e conhecimento mensalmente com novas informações do mundo do rock em todas suas vertentes e ao longo de quase trinta anos nesse meio fui aprendendo muita coisa. Sempre houve aqueles rockstars mais doidos, porém, desde a sua criação, o Rock’n’Roll teve um apelo social muito forte. Com fortes raízes na música negra do blues, o “roquenrou” foi um estilo que nasceu negro. Na árvore genealógica do Rock, o Blues, um pouco de jazz e uma pitada de country formaram a base de um novo tipo de som. Música de negros que se juntavam nos finais de semana para se divertir e dançar, começou a chamar atenção dos brancos. Uma informação que poucos sabem, ou parecem discriminar, é que até a música gospel foi importante no surgimento do Rock’n’Roll, visto que algumas cantoras e cantores daquele bebê musical se juntavam às nascentes bandas após saírem de suas respectivas igrejas.

Aquela “salada” de influências moldava um novo estilo que transgredia os costumes da época com um jeito de dançar e de se expressar considerado lascivo e constrangedor pela conservadora sociedade branca estadunidense. Contudo, no meio daquela sociedade conservadora havia brancos pobres que se divertiam com aquela música de negros que rapidamente ganhava mais adeptos. Não à toa o primeiro sucesso do Rock’n’Roll veio com uma banda de brancos, embora ainda hoje haja alguma controvérsia sobre isso. Fato é que aquele estilo musical em pouco tempo ganharia um rei “queixudo” de pele branca e olhos azuis, talvez para ser mais palatável aos gosto da maioria. Se o rock desde início se mostrou propício a quebrar barreiras, precisava também quebrar a barreira da cor.

Ao longo das décadas o mundo do rock tomou inúmeros caminhos e formas de se expressar, assim como qualquer outra forma de arte. A expressão artística, nesse caso não precisa necessariamente ter um objetivo evidente, coletivo, pessoal, social ou político. A arte serve, antes de tudo, para dar significado às coisas da vida que precisam de um jeito diferente de serem contadas para nós, por exemplo. Com o mundo do rock não foi diferente.

Quem não se lembra da crítica do Pink Floyd ao sistema educacional inglês em um de seus maiores sucessos? Porém, cabe lembrar que o álbum “The Wall” apresenta em sua trajetória a perspectiva de uma personagem e a partir dessa perspectiva pessoal faz a sua crítica contra os resultados negativos da guerra, do autoritarismo e do fascismo, só para ficar em um exemplo. A banda alemã Scorpions, outro baluarte da boa música internacional, cantava em um de seus maiores sucessos, Wind of change, contra o “muro da vergonha” em Berlim que separava irmãos. O movimento Punk Rock, mesmo tendo surgido quase como uma “birra juvenil” dos Ramones (por favor, não levem isso a sério), amalgamou ao redor de si milhares de jovens que queriam protestar contra a inércia das autoridades ou justamente contra o seu autoritarismo. O movimento hippie, embalado por grandes sucessos do rock, cantou contra as armas, o preconceito e pela liberdade e igualdade. O próprio Heavy Metal, com suas letras pesadas e cores escuras surgiu também questionando os valores de um mundo extremamente conservador.

O que assusta-nos atualmente é ver amigos que embalaram seus sonhos com Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii, Titãs e Plebe Rude, Raul e tantos e outros hoje estarem a defender valores totalmente distorcidos daquilo que os formou. Jim Morrison já cantava “Five to one, baby” mostrando a força dos jovens contra os velhos, valores velhos, por mais que a música possa ter outra conotação. E mesmo o The Who, cantando que “não seríamos enganados novamente” também se enganou: traímo-nos e sequer percebemos.

Recordo-me de um grande amigo com os dois martelos do Pink Floyd estampados na frente da camiseta e uma suástica branca atrás entrecortada pela negativa da cor vermelha. Um recado político forte contra a opressão que ele parecia não entender na época e hoje entende menos ainda. Uma pena, uma perda. Talvez seja por isso que um dos slogans hippie era justamente esse: “nunca confiei em ninguém com mais de trinta”. O risco é envelhecer, se tornar ranzinza e utilizar a experiência adquirida como justificativa para os “erros juvenis”. Podemos cantar o amor e a paz, não há nada de errado em exagerar no amor, pois ele nunca foi nem será piegas, ao contrário da música comercial veiculada massivamente pelas rádios hoje em dia.

Em tempos sombrios e de violência diária contra a própria humanidade, cantar o amor dos anos sessenta é um dos maiores recados políticos que se poder dar. Contra o ódio descerebrado, mais ódio só fará aumentar a distância entre aqueles que um dia brincaram juntos. Discutir a política é debater sobre a liga que une os indivíduos em sociedade e um dos ingredientes dessa receita é o amor. Então, quando alguém te disser que rock não se mistura com política, peça-lhe que vá ouvir outros estilos musicais.


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